Final Feliz

O senhor conhece a minha história. Abandonado pelo meu dono, que mudou de residência e se esqueceu de mim, perambulei alguns dias pelo Bosque do Papa, me abriguei provisoriamente (pelo espaço de uma refeição) em algumas casas hospitaleiras, até ser acolhido e adotado definitivamente pela minha dona. Deste curto período guardei o mau hábito de gostar de andar sozinho pelas ruas próximas e meu olhar e comportamento sedutores fizeram, vária vezes, com que ela me deixasse dar uma voltinha por ali, porque eu logo retornava.
 

Há algumas semanas, aconteceu uma tragédia. Numa destas escapadas, enfrentei um cão maior do que eu e fui parar, ensangüentado, dentro do canal do Rio Belém. Um rapaz foi avisar minha dona (que estva saindo de casa) dizendo a ela que pedisse socorro a alguém, mas que não fosse me ver, porque eu estava quase morrendo (imagine se ela seria capaz de fazer isto!). Correndo pela margem do canal, ela ligou para o senhor, pedindo ajuda. E me localizou, alguns metros adiante, encolhido, amedrontado, cabeça emplastrada de sangue e com o olho esquerdo dependurado, a uns 10 cm abaixo da órbita. Falou comigo, reconheci-a, mas mal tive forças para abanar o rabo. O canal é profundo, só seria possível chegar até lá com uma escada. Juntou gente, alguém de uma casa próxima trouxe uma escada, mas quem se arriscaria a ir me buscar?

Dali a pouco o senhor chegou. Desceu do carro, olhou para dentro do canal, atirou longe o avental branco, desceu a escada em dois saltos, entrou no rio sem pensar nos seus tênis, me colocou embaixo do braço direito, em dois saltos estava lá em cima e me colocou no carro. Ainda ouvi o senhor gritar para minha dona, na outra margem, "depois eu ligo" e daí em diante, não me lembro de mais nada.

Nesta terça-feira, depois de 10 dias, voltei para casa. Tomado banho, cheiroso, alegre, saltitante, com  olho dentro da órbita e até enxergando com ele. Não sei como o senhor conseguiu esta mágica! Então ouvi minha dona dizer que isto não é mágica: tais coisas só se conseguem com competência, sensibilidade, domínio técnico, responsabilidade e profissionalismo. E que eu nem poderia lhe agradecer por isso porque seu profundo senso ético responderia ter apenas cumprido um dever. A alternativa, então, seria tentar agradecer-lhe por uma série de outras coisas, mais importantes, até porque não têm preço e não se podem comprar: dedicação, carinho, cuidados especiais e intresse real pela minha cura.

Muito obrigado, doutor! Agradeço também à Drª Débora, ao Josué, à Selma e a todos que torceram por mim. Desejo a vocês um Natal cheio de alegria, peço a Deus que os abençoe e mais: que no ano que vem, todos os pacientes, animais ou humanos, encontrem um médico como o senhor.

E a quem acha que um animalzinho como eu não pode pedir coisas ao Pai do Céu, lembro algo que minha dona sempre diz: que somos todos parte da morada Dele, pois se Deus dorme no mineral, sonha no vegetal, age no animal, Ele desperta no Homem.

Muito obrigado, doutor Rogério!

Bobby
 


Publicado na Gazeta do Povo
 

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