Para Suzi... com carinho!
Anita Zippin

Que grande poder o do homem! Tem na sua mão fazer apenas o que Deus aprova e conformar-se com o que Deus manda (Marco Aurélio)

Homens e animais nasceram para conviver pacificamente, uns mais ligados, outros menos, dando impressão de que se existir amizade, as duas figuras se transformam numa só, como se tivesem entre si vazos comunicantes regidos pelas leis do coração.

Muito se diz, pouco se prega, na máxima "O cão é o melhor amigo do homem"!

Só ao chamar os RNI (raça não identificada) vira-latas faz com que os homens que têm cães com pedigree se sintam superiores, quando muitas vezes são os animais encontrados perdidos os mais ligados às pessoas.

É o caso da Suzi que apareceu numa construção e como não podia empilhar tijolos, resolveu dar afeto ao dono que escolheu dentre tantos no local, a ponto do executivo, que pensava ter tudo na vida, sentir que a arrogância não levava a nada.

O encontro do homem antes avesso a cães com a Suzi foi dos mais edificantes!

Falavam por música, um compreendia o outro pelo olhar. Logicamente a cachorra, num ar de fidalguia e num tom de humildade, sabia a seu modo que estava no mundo para cumprir a missão de colocar sentimentos em corações antes sem vontade de ter um animal por perto.

Nos Natais, até presente de outras empresas a Suzi ganhava, tal o carinho com que o empresário se referia à sua maior amiga.

Com o tempo, os dois começaram a recrutar pessoal e, quando não havia contestação da Suzi, o trabalhador estava empregado. Só uma vez o empresário ousou ir contra a psicologia canina e precipitou-se do dorso do eqüino.

E a Suzi se tornou mãe de quatro filhotes, esperando seu querido amigo na soleira da porta, quando ele chegava de uma viagem. Foi correndo mostrar a prole e, mordendo devagar as calças de quem tão bem a compreendia, talvez quisesse a aprovação dele, bem como o asilo aos novos moradores daquele lar, que ainda hoje lá se encontram.

Duas cadelas pastor-alemão vieram se juntar à turma, porque havia necessidade de segurança. Só que as possuidoras de raça demoram um tempo para detectar barulho estranho, enquanto os delicados "vira-latas" avisam, rosnam, atacam se preciso for, além de terem melhor saúde do que as aparentemente mais bonitas.

Um dia, a Suzi foi parar numa briga de cães, talvez mais com a intenção de acalmar os ânimos e tentou avisar, através de incessantes arrepios que corriam nos braços do seu dono, que ela precisava de ajuda. Ele sabia que algo estava errado mas, quando chegou em casa soube que a Suzi estava morta!

Ao invés de examinar sua querida, a paixão de sua vida segundo emocionante depoimento, entrou no quarto para chorar. E a Suzi ainda se arrastou alguns metros até o seu carro, como se pedisse ajuda, muitos não compreendendo a força que vinha daquele corpo debilitado, signifiacando que talvez sua alma tivesse vontade de uma vez mais se encontrar com quem tão bem se entendeu e agradecer os anos de felicidade.

Hoje tem um jardim no escritório ecológico, onde as borboletas e os beija-flores fazem parada obrigatória, embelezando as flores. No chão está uma lápide onde a Suzi foi enterrada.

Mal sabe o seu dono que a cachorra de estimação está ao seu lado a recrutar pessoas, a adivinhar seus pensamentos, a levantar as orelhas sinalizando perigo, a abanar o rabo em agradecimento por tudo que ela recebeu nesta vida.

Combinam de se encontrar em outro momento, num belo dia de sol, onde poderão reverenciar e agradecer o bem que fazem os Rex, Chaplin, Papoulas, Julinhas, Rambos, Twiggs, Tarzãs, Serafins, Violetas e tantos outros estigmatizados por "vira-latas" mas que, na realidade, chegaram de repente, para em muito contribuir na formação dos seres humanos, que pensam saber tudo e, ao olhar um cão, verificam que nada sabem.

Algum dia, eles estarão à espera de seus verdadeiros donos lá nas estrelas, latindo à porta do céu para comunicar a São Pedro e aos curiosos que o recém-chegado é o ser humano que eles sempre amaram — mas tiveram que partir na frente, sempre sonhando com o reencontro.

Até lá!

...que exemplo de vida foi a Suzi — ou especialmente a Suzi do Jacob Betoni!


Publicado na Gazeta do Povo em 21/08/1996

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